PEQUENA
ÁFRICA
A região conhecida como Pequena África, no Rio de Janeiro, abrigava o cais do Valongo, por onde desembarcou cerca de um milhão de africanos entre 1774 e 1831. Descoberto durante escavações e reconhecido, desde 2017, como Patrimônio da Humanidade, o Valongo compõe, juntamente com o Cemitério dos Pretos Novos, um impressionante registro da população negra que ocupou massivamente a zona portuária no século XIX. Estima-se que corpos de 40 mil cativos tenham sido enterrados no cemitério.
Ali se localizava o antigo Rossio Pequeno, espaço utilizado como um depósito de lixo doméstico antes da urbanização de 1846. Hoje, a área formada pelos bairros da Pedra do Sal, Gamboa, Santo Cristo e Saúde, além dos Morros da Conceição, da Providência, do Livramento e do Pinto, é uma das regiões mais vibrantes do Rio de Janeiro e preserva a herança ancestral de um território ocupado majoritariamente pela população negra. O apelido Pequena África foi dado pelo artista plástico, compositor e sambista negro Heitor dos Prazeres.
Centro de trocas, circulação de mercadorias, compartilhamento das diversas origens étnicas e do comércio de africanos transportados para o interior do Rio de Janeiro e arredores, a zona portuária acabou atraindo de volta, como moradores, grande parte dos negros forros ou livres, além daqueles vindos da diáspora baiana que se seguiu ao fim do tráfico negreiro. Floresceram redes de sociabilidades entre os negros africanos, baianos e cariocas.
Os negros, trabalhadores do cais ou pequenos comerciantes se reuniam em torno do jogo da capoeira, do jongo, das procissões católicas, dos terreiros de macumba, dos candomblés e das rodas de choro e de samba. Em época de carnaval, os ranchos dos negros – blocos populares de carnaval que contavam até com mestre-sala e porta-bandeira – faziam o cortejo pelas ruas do Centro, depois de receber as bençãos das tias baianas, donas dos casarões e das casas coletivas que davam guarida aos conterrâneos, além de funcionarem como centros da cultura e religiosidade africana e afro-brasileira na então capital do Brasil.
Mulheres negras vestidas de baianas ocupavam as calçadas e esquinas com seus tabuleiros armados, oferecendo quitutes e garantindo os ajuntamentos que davam colorido ao lugar. O tabuleiro mais famoso era o Tia Ciata, que se instalara na região por volta de 1876, vinda de Salvador em busca de melhores condições de vida. O protagonismo das mulheres negras naquela região é um dado importante sobre a preservação das tradições e das heranças africanas.
Além de Ciata, outras “mães baianas” e os filhos que se tornaram sambistas famosos compõem a história da Pequena África: Tia Amélia, mãe de Donga; Tia Perciliana, mãe de João da Bahiana; Tia Veridiana, mãe de Chico da Baiana; Tia Mônica, mãe de Pendengo; Tia Maria Adamastor e Tia Carmem do Ximbuca.
A alegria da liberdade transpôs o tempo na Pequena África, onde agora os visitantes podem conhecer essa história com visitas guiadas e ainda experimentar a música, a história, a cultura e a gastronomia afro-brasileira em bares, restaurantes, museus, espaços de arte e associações.